segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Zé, parte 1


- Acorda, Zé. Porra! Eu não disse que íamos sair às 20h? Já são 19h30.

Zé abriu os olhos assustado. Depois de dormir na cama de Pedro e sonhar 8 horas com a mesma cena, acordou sobressaltado. Esfregou os olhos com as costas das mãos, sentou-se na beira da cama e ficou alguns minutos analisando os próprios pés, tentando voltar à realidade. “É, aconteceu!”, pensou.

- Vamos Zé! Vai ficar aí parado? Não aguento mais te ver em casa. Vai! Vai pro banho – disse Pedro, jogando uma toalha azul em seu colo.

Zé olhou pra toalha, anestesiado. Tomou coragem e levantou. Foi até o banheiro do pequeno apartamento de Pedro e encarou o espelho pela primeira vez nas últimas 24 horas. Seus olhos estavam inchados, tristes, buscando alguma resposta. Ele não tinha resposta. Não podia, nem queria voltar atrás. Separou-se da mulher que amava, sentia seu peito doer, mas sabia que tudo aquilo iria passar.

Ligou o chuveiro, tomou um banho aliviante, mas deixou a barba por fazer. Ao se deparar com suas roupas, hesitou ao escolher aquela camisa vermelha, pois ela adorava vê-lo com ela. Dispensou a escolha: vou de camisa branca. 
Se vestiu, arrumou o cabelo e estava pronto pra reiniciar a vida de solteiro.

- Tá pronto? – chamou Pedro.

- Acho que sim, vamos.

Chegaram ao bar. Uau! Fazia anos que Zé não passava por ali. Outros bares abriram na região, um pessoal mais elitizado começou a frequentá-los. Tinha até música ao vivo. Bem diferente de 6 anos atrás, quando ia só jogar uma partida de sinuca com os amigos. Encontrou o restante dos amigos e pediu um chopp.

Sentiu-se perdido. Estava ali, mas sua cabeça estava em outro lugar. Olhava para outras mulheres: todas novas demais, todas alegres demais, cabelos loiros demais, decotadas demais. Só pensava nela e em seu sorriso, nas suas mãos, suas saias longas e na sua habilidade ao mentir. Sentiu raiva e mais dor.

Seus amigos falavam sobre o último Carnaval, as mulheres com quem ficaram, a bebida a mais, as drogas a mais. Falavam sobre facebook, whatsapp e instagram. E Zé se perguntava por quanto tempo ficou fora do planeta Terra. Não tinha nem um smartphone. Não sabia de mais nada. Não tinha assunto e se sentiu um velho.

Zé estava triste. Um burro triste.

Ao perceber sua tristeza, Lorena se aproximou.

- Hey, cabeça... Posso me sentar?

Ao levantar os olhos, Zé exclamou surpreso:

- Lorena?

A moça respondeu com um sorriso.

Aos 15 anos, Zé e Lorena estudaram juntos. Ele foi apaixonado pelo jeito de Lorena: sonhadora, desencanada, pés no chão.

Começaram a conversar e Zé percebeu que estava sorrindo. Fazia tempo que alguém não o fazia sorrir. Mas mesmo assim, percebeu que ao conversar com Lorena, só falava de Natália e de seus cabelos, daquelas mãos em sua barba, seu sorriso perturbador e sua facilidade em trair.

Cansada, Lorena interrompeu a conversa, sem jeito:

- Me liga, Zé. Quero te ver feliz. Me liga! Pra um chopp, sei lá...

Lorena foi embora pra casa lembrando do dia em que Zé lhe roubou um beijo no colégio e depois a dispensou: “Será que ele se lembra?”

As pessoas nos fazem doer.