quarta-feira, 1 de maio de 2013

A casa e o tempo

O piso ainda é o mesmo. Frio, claro e manchado pelo passar dos anos em que ali está, fixado no chão. Durante esse tempo, muitos andaram por ali, apressados, outros mais preguiçosos e alguns sem perceber que a pisada dura e forte poderia danificar ainda mais seu porcelanato já quase sem o brilho do verniz.
 
As paredes, com pintura mal feira e rachaduras nos cantos, revelam que nem mesmo a mais recente reforma pode apagar o desgaste que o tempo dá de presente. Nas janelas de ferro, a ferrugem aparente implora para que um simples raio de Sol apareça e atravesse suas dobradiças, fazendo iluminar o interior da casa envelhecida.
 
Por mais que tenha passado por retoques ao longo dos anos e tente parecer nova, a casa transparece memórias de longos anos vividos, duros anos que a fizeram amadurecer e compreender que não se pode disfarçar o cansaço da vida que segue. Percebeu que as rachaduras sempre voltarão à tona, anunciando sua real identidade. Assim, permanece escondida em sua casca protetora feita de cimento, gesso e tinta.

domingo, 28 de abril de 2013

Amnésia

Não satisfeita com a calmaria e silêncio da vida que deixou para trás, debruçou-se diante da nova experiência de resgatar algo que lhe foi bom em um ano passado. Arrumou as malas rumo à antiga cidade que um dia pertenceu e olhando a seu redor, notou o quão confortável estava ali, de volta a seus livros, cheiros e travesseiro, em seu antigo e novo lar, e o quão feliz estava em seu estado atual.

Sem hesitar, entrou na viagem de corpo e alma, afim de aproveitar cada minuto a excitante sensação de ser livre e estar sozinha, luzes leves correndo através do vidro do carro, seu corpo relaxado, mesmo que por algumas horas. Em seus ouvidos, ecoava a habitual e agradável melodia que costumava ouvir no caminho à cidade, aquela que faz o simples vento que entra pela janela se tornar aliviante.

A ansiedade como parte do cenário, fazia seu estômago pedir por alívio. Ao chegar em seu destino, o bar de sempre, encontrou sorrisos confortantes das amigas de sempre e sabia que ali também estaria o motivo de sua dor, a de sempre.

Ao percorrer pelo ambiente preenchido de nostalgia, lembrou da noite em que o conheceu, em que estava despreocupada, com as unhas mal feitas, o cabelo rebelde. O lugar também a fez recordar a dor que sentiu ao ser dispensada, mesmo se mostrando interessada e tentando usar o cabelo do jeito que ele gostava.

Piscou os olhos depressa, como se dessa maneira fosse capaz esquecer e afastar o último pensamento e voltou a conversar com suas amigas, os olhos fingindo não procurá-lo.

Já no primeiro copo de cerveja aliado ao lento trago no cigarro, sentia-se dona de si e a coragem veio à tona. Resolveu dar uma volta sozinha e ao sair pela porta o viu caminhando em sua direção.

Por um instante o tempo parou. Ao vê-lo, esqueceu de tudo o que tinha ensaiado ser e dizer. Só conseguiu olhar em seus olhos perdidos no corredor do bar e cumprimentá-lo com um beijo no rosto e um abraço tímido.

E esqueceu-se de tudo a partir de então. Esqueceu dos problemas da antiga cidade, esqueceu da culpa, do anseio, da novidade. Esqueceu a idade, o tempo que passou e até do novo emprego. Esqueceu a decepção e as lágrimas que um dia derramou. Só queria ficar ali, só mais um pouco, rosto colado em seu peito, ouvindo seu coração.

quarta-feira, 13 de março de 2013


Uma nova realidade aparece e ela sente que seus dias simplesmente se vão, à toa. Percebeu que ao tomar seu café da manhã, não tem mais companhia e isso faz com que, sem perceber, termine a refeição com pressa, a fim de ir ao encontro de alguém, que seja nas ruas da cidade. Não entende o porquê da corrida contra o tempo, talvez pela pressão vivida ao longo dos anos, sempre tendo alguém para questionar o porquê da demora.

Sem se apegar a deidades ou religiões, a compaixão e a bondade fizeram sua história dar certo. Acredita na conspiração e no poder do universo. Apressada, esqueceu das doenças que tem e encarou sua verdade de frente. Com medo do escuro e envergonhada de mostrar a pele, possui diversas cicatrizes pelo corpo e seu cabelo não é lá tão bom assim. Com a pancada na cara, vive todos os dias anestesiada, buscando libertar sua respiração falhada.

Por muito tempo desinteressou pelos livros, músicas e toda aquela cultura que costumava ter. Hoje tenta resgatar suas raízes e buscar algo que de fato a convença do correto. Não tem interesse em ouvir a opinião alheia e não se importa com o que os outros vão dizer. A pressa a fez cumprir com suas obrigações e responsabilidades, mas ainda sai do eixo de vez em quando.

A dor persiste em suas entranhas, mas sabe que vai passar. Abraçou a dor, a ferida, a tristeza e convive bem com seus sentimentos. Hoje não acredita em final feliz, mas em final justo. Sem pressa.

terça-feira, 12 de março de 2013

Durante a madrugada


Eu preciso extrair o gosto amargo da boca. A garganta se fecha para o que tem vontade de cuspir, tentando esconder a feiura do sentimento e poupando o outro de se magoar. Mas enfim, novos ventos aparecem, deixando-me mais tranquila em relação às escolhas por mim tomadas. Uma noite de extremo desconforto demonstra o quanto ainda existe prisão às lamúrias do passado e o quanto há necessidade de esvaziar a mente de conflitos que não valem a dor da pele.

Sinto a liberdade atingida, simplesmente por tomar uma decisão, a qual tinha medo em me comprometer. Com o passar dos dias, a dor vai indo embora, restando apenas o trauma vivido, como uma lembrança que em breve será esquecida. Em breve, não me lembrarei de seu gosto amargo, nem das maldades ditas. Em breve, a alegria tomará conta do meu coração e conseguirei obter maturidade para imaginar que um dia, lá atrás, vivi algo tão bom quanto nos filmes românticos.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

De volta


É janeiro, o mês que remete à mudança e àquela doce vontade de recomeçar. O mês das promessas e da esperança, e não é de hoje que as coisas não são mais como antes. Não é de hoje que tenho a sensação de que o controle escorreu pelas mãos e que caminhos escolhidos pela impulsividade levam à decepção. O cheiro, as paredes, os livros as músicas e até mesmo o paladar: tudo mudou, ficando cinza como o céu em dia de trovoada. Os pés anseiam por outros caminhos, mas o coração gosta da sensação de manter-se batendo no mesmo lugar, aconchegado na lamentação de viver de olhos fechados para o que o mundo grita em mostrar. “Você não era assim!”, a voz em minha cabeça me alerta da escolha que o coração quer tomar; então respiro, levanto e recomeço, pois ficar aqui sentado não vai mandar embora lembranças que machucam. E tudo se vai, restando apenas memórias do tempo em que beijos doces e a sinceridade ainda faziam parte do cenário.